Arquivo de 11 de dezembro de 2009

FECHANDO A VIDA PARA BALANÇO

Publicado: 11 de dezembro de 2009 em Sem categoria

 Todo fim de ano é a mesmíssima coisa: luzes, festas, cartões, comemorações. Como de costume, também sigo o ritual de avaliar o ano que se despede. Corado de vergonha, percebo que muitas metas, outrora definidas com tanta empolgação, nem de longe foram alcançadas.

Mas como a juventude é inegável financiadora de utopias, continuo apostando alto na vida. Indiferente aos riscos do viver, não hesito em juntar as tralhas e ir à luta. Não me importo se a vida não tem parapeitos ou corrimãos. Estou disposto, mais uma vez, a me arriscar. Mesmo olhando as cicatrizes e arranhões colecionados em aventuras anteriores, indomável, já decidi: NÃO VOU PARAR!

Quero conhecer a vida que está para além das areias da praia. Desejo garimpar os mistérios residentes no desconhecido. Desafiar o alto-mar, mesmo sabendo que ele possui dupla “personalidade” (calmaria e tormenta; ventos de refrigério e tempestades de agonia). Não me importo! Ambiciono sensações que não estão estampadas ou descritas em livros e revistas, mas que são troféus da ousadia. Munido desse espírito desbravador, parto então para a aventura, tendo como primeira missão reorganizar minha vida, esvaziando as inutilidades que entulham o porão da minha alma.

Para começar, espanarei a poeira que reside sobre meus relacionamentos. Pensando melhor, acho que os reciclarei. Não tolerarei ao meu lado uma pessoa sequer que não esteja sendo edificada por minha existência. Darei o mesmo bálsamo à minha alma. Aos que não fazem questão, não mais convidarei a visitarem o jardim da minha vida. É doído demais ver pessoas esmagando a flores que, no labor do dia a dia, sob sol forte, plantei e cuidei. Após algumas tentativas de ressuscitar a estima de desafetos, desligarei o desfibrilador e, lamentando, acenarei dando-lhes adeus.

Como anfitrião exigente, evitarei hospedar em meu coração inquilinos que me afastem do meu Senhor. Buscarei desnutrir meu ego. Não mais perseguirei honras, mas apenas a inegociável honra. Desisti de acomodar minha satisfação e alegria sob refletores. Também não mais oferecerei gorjetas ao controlador de holofotes, a fim de que os estacione sobre mim. Recusar-me-ei a fazer dos meus títulos, cargos e opinião pública o termômetro que mede minha intimidade com Deus. Evitarei, a todo custo, as longas e bem elaboradas orações feitas nas “esquinas”, pois não quero que o burburinho elogioso da platéia seja meu pagamento (cf. Mt 6). Não estenderei as mãos para receber, como recompensa, a glória que deve ser ofertada apenas ao meu Senhor.

Dessa vez é inevitável: consertarei, por dentro e por fora, minha piedade. Prioritariamente, buscarei fazê-lo distante do púlpito, palcos ou olhares humanos. Darei preferência ao anonimato, à invisibilidade, ao silêncio do meu quarto, à discrição, à intimidade e comunhão particulares com Deus. Descuidado, trilhei o caminho inverso. Como resultado, as locomotivas da falsidade, do orgulho e hipocrisia quase me destroçaram. Tendo escapado por um triz, ofegante, aprendi a lição: se tiver de ser espiritual, começarei em secreto, depois estenderei à vida pública. Perfazer o caminho oposto é perigoso demais.

Amarei mais. Sim, amarei, indistintamente, mais. Derrubarei as cercas que delimitam meu afeto e ousarei amar uma variedade maior de pessoas. Não confinarei meu amor à minha família e aos que me amam (cf. Mt 5.44-46). Para não torná-lo inútil, recusar-me-ei a usá-lo como moeda de retribuição. Isso mesmo! Se necessário, correrei contra o vento, nadarei contra a correnteza, espancarei meu orgulho, e me aventurarei aprendendo a amar aos que, contra mim, mesmo que sem razão, alimentam canceroso ódio. Por motivo semelhante, protesto no dia de hoje que olharei para todos ao meu redor como seres criados à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1.26). Começarei esse exercício da alma ouvindo Frei Betto, quando recomenda que eu nunca exija que minha empregada doméstica faça coisas que eu ou meus filhos jamais faríamos.

Depois de respirar fundo, resolvi que jamais canalizarei contra os outros minhas revoltas, traumas e rancores. Independente das posições que ocupar, ou dos tronos que me assentar, fugirei de usar a autoridade a mim conferida para menosprezar ou tornar mais infeliz a vida de alguém, seja quem for. Dessa forma, evitarei olhar os outros de cima. Advertido por Madre Tereza de Calcutá, “jamais permitirei que alguém saia da minha presença sem estar mais alegre e mais feliz”. E se o outro, de tão dissimulado e cínico, insistir em envenenar-me, injetando em meu coração vexame sobre vexame, mágoa sobre mágoa, dor sobre dor, imediatamente tratarei de beber o antídoto oferecido por Santo Agostinho. Assim ele prescreveu eficaz medicação: “Ama e faz o que quiseres. Se calares, calarás com amor; se gritares, gritarás com amor; se corrigires, corrigirás com amor; se perdoares, perdoarás com amor. Se tiveres o amor enraizado em ti, nenhuma coisa senão o amor serão os teus frutos”. Agora entendo mais claramente porque “o amor tudo crê, tudo espera, TUDO SUPORTA (1Co 13.).

A seguir, sanearei, cuidadosa e pacientemente, meu coração. Drenarei dele todo esgoto de amargura que o deixa fétido e apodrecido. Recusarei as oportunidades gratuitas de chatear-me. Não farei da minha alma depósito de tumores ou lata de lixo, mas sim, um belo pomar, de onde colherei, após ter semeado, a deliciosa oportunidade de saborear os frutos do amor, respeito, alegria, gentileza, sinceridade.

Elegerei, sempre que possível, gargalhar, sorrir, cantar, ao invés de permanecer estacionado nos becos escuros e solitários da vida, tendo uma rotina marcada por lamúrias e sorrisos discretos e amarelados. Sim, quero mobiliar minha alma com minhas preciosas amizades. Willian Shakespeare acertou no alvo ao dizer que “o que importa não é o que você tem na vida, mas quem você tem na vida”, e que “os amigos são a família que nos permitiram escolher”.

Como providência final, decido que não mais farei das preocupações e angústias meu travesseiro. Também evitarei subir ao ringue para, aos gritos e tapas, provar que sou proprietário absoluto da razão. Sendo provocado, farei de tudo para dissipar minha ira antes do anoitecer (cf. Ef 4.26). Afinal de contas, preferirei contemplar, boquiaberto e extasiado, o brilho inédito de cada noite estrelada.

E no apagar das luzes de mais um ano, quando novamente fechar a vida para balanço, verei quanto tudo isso me terá custado. Mesmo que haja mais cicatrizes e arranhões, ainda assim celebrarei, de peito estufado e cabeça erguida, a glória de ter feito a vida valer a pena. Por essa razão, farei coro com Fernando Pessoa, declamando seguramente que “tudo vale a pena, se a alma não é pequena”.

Veja só, que surpresa: antes que a faxina da minha alma se encerrasse de vez, Shakespeare reapareceu com um embrulho para presentear-me. Nele, com a sugestão de ser pendurado à porta de entrada, um quadro com a seguinte frase: “Maturidade tem mais a ver com o número de experiências que se teve, e o que você aprendeu com elas, do que com quantos aniversários você celebrou”.

Que nesse novo ano, que abruptamente bate às portas, possamos glorificar mais, muito mais a Deus. Que nas mais simples ações da vida haja uma potencialização do desejo de O agradarmos (1Co 10.31). Pois, não somente no fechar das cortinas de cada ano, mas no final de tudo, inclusive da própria vida nesta terra, descobriremos que apenas isso, realmente, terá valido a pena.

 

FELIZ 2010 A VOCÊ E À SUA FAMÍLIA!!!

 Francisco Helder Sousa Cardoso